domingo, 20 de setembro de 2009

Salsicha? É a bola da vez!


O Dachshund foi posto em evidência como a raça canina mais agressiva por um estudo publicado na bem conceituada “Applied Animal Behavior Science”. A repercussão foi enorme, no mundo todo. Se a raça fosse de porte grande, já teriam surgido diversos projetos de lei proibindo-a! Neste artigo abordo a problemática dos experimentos que tentam ranquear a agressividade canina com base nas raças. E explico por que cada vez vence uma raça diferente. Para exemplificar, usarei o estudo atualmente em evidência.
Medições diferentes
O principal problema, na minha opinião, está na simplificação excessiva de um assunto bastante complexo, que é o da agressividade. Cada experimento mede algum aspecto diferente relacionado à agressividade dos cães. E quando o resultado é divulgado, acaba sendo distorcido pela maneira de dar a notícia ou pela preguiça de tentar entender assuntos mais complexos.

Simplificação perigosa
Como exemplo, coloquei abaixo os quatro primeiros resultados de uma busca no Google, digitando as palavras dachshund e agressividade:
1.Pit Bull perde para Dachshund em ataque a pessoas!
2.O cão mais feroz do mundo.
3.O cão mais perigoso é o “salsicha”.
4.“Salsicha é o cão mais feroz do mundo, diz estudo...
São manchetes simples, diretas e atrativas. Têm tudo que acredito ser preciso para chamar a atenção. O problema é que podem nos levar a interpretações erradas do resultado do experimento.

Menos graça, mas menos sensacionalismo
O estudo mostrou o resultado de questionários preenchidos por donos de cães de pouco mais de 30 raças (as raças caninas são mais de 400, no mundo). Em parte, os respondentes eram membros do American Kennel Clube (AKC); e, em parte, eram pessoas que encontraram o formulário na internet. O Dachshund foi a raça com maior porcentagem de respondentes que informaram que seus exemplares morderam, mordiscaram ou ameaçaram morder. A partir desses dados básicos, faço as minhas considerações.

Efeito “linhagem genética”
cada raça tem diversas linhagens e cada linhagem pode ter temperamento diferente. Dependendo da linhagem testada, os resultados estão sujeitos a variar bastante. É possível, por exemplo, que o Dachshund americano seja mais agressivo do que o Dachshund brasileiro, na média.

Efeito “dono”
As raças caninas podem ser associadas a um ou a outro tipo de pessoa, conforme o modismo da época. Raças diferentes, portanto, podem ter tipos diferentes de donos. Como os cães são bastante influenciados pelo comportamento de seus donos, deveríamos tentar eliminar o efeito “dono” ao compararmos uma raça com outra. No experimento, nenhuma característica dos donos foi levada em conta. Por exemplo, dependendo de quantos donos de Dachshunds têm crianças em casa, o resultado da pesquisa pode mudar, pois as crianças são os membros da família mais suscetíveis a levar mordida.

Efeito “fonte”
Muitos estudos são realizados a partir de estatísticas com base em registros feitos por hospitais. Mas a maioria das pessoas só vai ao hospital quando a mordida é séria. Com base nesses registros, os cães maiores subiriam no ranking, por serem mais capazes de machucar gravemente. No caso dos questionários do estudo em foco, parte dos criadores (membros do AKC) pode ter manipulado os resultados por interesse comercial e parte dos visitantes da internet (pessoas sem identidade comprovada), pode ter dado respostas até por brincadeira. Nessa hora, as raças mais lembradas são as mais populares.

Efeito “população canina”
Quanto maior a população de cães de uma raça, maior a chance de alguém ser mordido por um exemplar daquela raça. Se numa cidade, por exemplo, só tiver Pit Bull, todas as mordidas serão de Pit Bull, sem que isso signifique necessariamente que o Pit Bull é perigoso.

Efeito “agressividade mensurada”
Às vezes, rosnar ou mostrar os dentes é uma maneira que o cão tem para avisar quando não gosta de algo. Com isso, ele sinaliza que, se a provocação não parar, dará uma mordida. No experimento em discussão, as ameaças de mordida foram consideradas agressividade. Cães que não rosnam nem mostram os dentes antes de atacar, podem ter sido, portanto, considerados menos agressivos do que os cães que atacam com prévio aviso.